Setor Litoral é o que mais graduou estudantes indígenas na UFPR

 19 de abril de 2016 - 18h58

Em 2005, em razão da resolução n° 37/04 do Conselho Universitário (COUN), a UFPR ofertou as primeiras cinco vagas exclusivas para indígenas, que foram preenchidas a partir de processo seletivo diferenciado através do Vestibular dos Povos Indígenas no Paraná, esse número foi aumentado e atualmente são ofertadas dez vaga ao ano. Essas vagas são suplementares, ou seja, são criadas especificamente para o ingresso de indígenas e somadas àquelas que a instituição oferecer em oferta de ampla concorrência.

Mais de dez anos após criada a política institucional, o Setor Litoral é o que mais formou estudantes indígenas. Iniciativas como o Laboratório de Interculturalidade e Diversidade (LAID) e o Programa de Educação Tutorial (PET) Indígena, coordenados pela professora Ana Elisa de Castro Freitas, contribuem para a inserção e a permanência dos estudantes indígenas nos cursos de graduação, além de estender a discussão das temáticas indígenas para outros âmbitos da instituição. No total 70 indígenas ingressaram na UFPR, sendo que 39 deles estão regularmente matriculados em diferentes cursos de graduação na UFPR e outros 15 já se formaram e os demais não seguiram os estudos. A maior parte deles pertences às etnias Kaingang e Guarani.

Para os estudantes indígenas, um dos principais desafios na vida acadêmica é conciliar as matrizes curriculares e a perspectiva etnológica indígena. Nesta entrevista, o Gestor ambiental Douglas Jacinto da Rosa, recém graduado pela UFPR Litoral, fala sobre a necessidade de dar maior vazão ao pensamento indígena e conta sua trajetória desde o ingresso na Universidade.

Douglas é da etnia Kaingang e pertence a coletividade Kaingang de Re Kuju – Campo do Meio, no município de Gentil (RS), bacia hidrográfica do Alto Uruguai, próximo a Passo Fundo (RS). Atento à necessidade de buscar os estudos fora da aldeia para ajudar o seu Povo em diferentes demandas que se configuram nas Terras Indígenas Kaingang, no sul do Brasil, em 2010, Douglas decidiu prestar o Vestibular dos Povos Indígenas no Paraná na UFPR, visando uma vaga no curso de Engenharia Ambiental. Confira sua trajetória na entrevista.

Você ingressou no curso de engenharia ambiental e depois fez a reopção por gestão ambiental, o que lhe motivou a mudar de curso?
Fiz o ensino fundamental na aldeia e depois fiz o ensino médio em um município perto da aldeia, lá soube do vestibular indígena, prestei o concurso e acabei passando. Escolhi o curso de engenharia ambiental por eu ter sido sempre ligado às questões da natureza, geografia, biologia, entre outras. Fui buscar na engenharia um campo para pensar projetos de reflorestamento, proteção de nascentes e rios, elementos naturais que existem na terra indígena. Mas, naquele momento, a grade curricular do curso não correspondeu a essas minhas ansiedades, tínhamos muito cálculo, física, química, percebi que não era o que eu estava buscando.

Como você entrou em contato com o Setor Litoral da UFPR?
Quando a minha família, junto de outras matrizes familiares Kaingang, inaugura o processo de retomada por Terra Tradicional Kaingang em Re Kuju – Campo do Meio (RS), eles me demandaram ajuda na elaboração e qualificação de documentos que apresentassem nossas demandas junto a diferentes instituições do estado brasileiro e, a esses conhecimentos, eu não tinha acesso pelo curso de engenharia ambiental, em um ano no curso nunca consegui pautar a questão indígena. Então passei a pensar na possibilidade de mudança de curso na UFPR, foi então que outros estudantes que já estavam na UFPR me foram essenciais. Nesse sentido, a estudante indígena Kaingang do curso de Gestão Ambiental, Diana Nascimento, contou que muito do que eu buscava no curso de Engenharia era abordado no de Gestão Ambiental. Comecei também a participar de eventos e cheguei à conclusão de que eu deveria mudar de curso. Fui para o UFPR Litoral em 2011. E antes de mim, a Gestão Ambiental já tinha tido outros estudantes indígenas, isso foi provocando o curso, os professores tinham uma atenção maior às problemáticas socioambientais que vivenciavam os Povos indígenas no Brasil, e aí encontrei mais subsídios para pensar de como a pauta ambiental se insere no direito indígena, especialmente no que se refere aos direitos territoriais. O que acabou me dando uma abordagem técnica muito boa e também política.

Quais são os principais desafios para um estudante universitário indígena?
O indígena tem mais dificuldade de inserção e adaptação, para muitos é a primeira vez longe de sua coletividade indígena, e temos que chegar na cidade e abrir conta bancária, procurar lugar para morar, ter fiador. A assistência estudantil teria que acompanhar a política de inserção indígena mais de perto. A universidade não pode se furtar de pensar a realidade das pessoas que ingressam nela, precisa estar atenta.

E quais são as oportunidades que a Universidade oferece?
Estar na universidade dá a possibilidade de afirmação do sujeito e de vazão do pensamento indígena, acho que isso é o mais caro para nós no ensino superior. Se, de alguma maneira, você consegue dar vazão da narrativa da experiência, da territorialidade, da história, da cosmologia, gradativamente você vai dar possibilidade da afirmação do pensamento indígena na instituição e na sociedade. Muito do que ainda temos sobre os povos indígenas são olhares de pessoas não indígenas, que escreveram sobre nós. É um outro momento que estamos vivendo, em que indígenas podem se tornar pesquisadores, expressando a concepção de um pensamento milenar.

Qual é a sua relação com a sua família e com a aldeia?
Durante a graduação, sempre que podia eu, voltava para a minha terra. O último ano da graduação, que é dedicado à vivência, eu já passei lá. Hoje acompanho as políticas públicas e trabalho junto com as lideranças das aldeias no Rio Grande do Sul. Todos os estudantes indígenas que estão na universidade têm uma responsabilidade com as suas famílias e as lideranças de sua aldeia. Eles têm o respaldo das lideranças e precisam, de alguma forma, colaborar. Porque nós, que vamos a universidade, somos uma nova possibilidade dos indígenas estabelecer novas relações com o Estado brasileiro e com a sociedade. Eu morava na Serrinha (RS) e depois que vim para a UFPR, a minha família se juntou a outras para fazer uma retomada de terra. Devido a isso, o contexto da minha vida mudou.

O que é uma retomada de terra?
As retomadas de terras indígenas são bastante conflituosas, inclusive meu irmão sofreu um atentado de morte recentemente, foi baleado, e ainda está com um projétil na altura da coluna. Esses são conflitos que acontecem em todo o Brasil, eles têm sido recorrentes no Sul e é algo que não vai parar, porque, depois da Constituição Federal 1988 e nela a previsão de nosso direito originário as nossas terras, você tem o processo da apropriação e da autodeterminação indígena, então, a partir da memória, da oralidade, os indígenas estão acionando parcelas dos antigos territórios que lhes forma tiradas violentamente com o processo colonial. Hoje, quando vamos requerer terras que foram dos nossos antepassados, há outras pessoas nessas terras e aí o conflito se estabelece.

Agora você atua no movimento indígena e inclusive representa seu estado no Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI), como foi essa inserção?
Comecei a buscar um aparato jurídico e administrativo para diferentes questões indígenas especialmente no âmbito territorial e de certa forma foi isso que foi me aproximando do movimento indígena, antes eu não tinha uma atuação tão direta com o esse movimento. A relação indígena com a terra é uma relação que a sociedade moderna não consegue perceber, talvez nunca vá conseguir compreender. Aos poucos conquistei o reconhecimento das lideranças e gradativamente comecei a fazer parte de espaços importantes dentro do movimento indígena, isso é recente, porque algumas lideranças, especialmente os mais velhos, têm uma certa resistências aos mais jovens, portanto essa aproximação deve ser cautelosa e principalmente com muito respeito. Por ter conquistado essa confiança, hoje represento o Rio Grande do Sul no Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI). Sou responsável por acompanhar a implementação de políticas indigenistas no Brasil. Também estou trabalhando junto com as aldeias que estão pleiteando o reconhecimento territorial e a demarcação das terras tradicionais Kaingang no Rio Grande do Sul, fizemos uma reunião e começamos a trabalhar conjuntamente para a regularização das situações. Vamos fazer um plano de Gestão Ambiental e Territorial para todas elas, nos seus devidos contextos, mas seguindo os mesmos princípios orientadores, esses do pensamento Kaingang na relação com a natureza e sobre natureza.

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