Um projeto educacional desafiador

 14 de agosto de 2025 - 11h16

Os fatos do tempo, dos contextos, dos momentos vividos (e aqui comprimidos em um testemunho) expressam as conexões de uma trajetória também pretérita e posterior ao lugar e ao período de uma gestão, portanto refletindo uma história de atuação no trabalho repleta de memórias, reconhecimentos, afetos, aprendizados e resiliências coletivas por dentro de um projeto educacional único e desafiador.  

A experiência da gestão universitária expressa, grosso modo, respostas às conjunturas internas e externas que moldam as prioridades e decisões de cada período. Chamo a atenção, no entanto, para um ponto comum que deve, sempre que possível, ser ressaltado, inclusive como reconhecimento àquelas e àqueles que assumiram esse lugar de atuação: o peculiar desafio de executar a gestão universitária em um campus resultante do processo de expansão e interiorização das instituições federais de ensino. 

O imenso desafio de cumprir as diretrizes de uma política educacional e social ousada, que descentralizou as unidades de suas sedes em busca de maior acesso ao ensino superior por populações e localidades antes negligenciadas e, em paralelo, atribuindo um papel ativo e colaborativo nas soluções para a realidade local e regional, constituíram elementos mobilizadores para a configuração do singular desenho pedagógico e institucional da UFPR Litoral, dirigido em todo o seu percurso inicial pelo professor Valdo Cavallet. 

Desses pressupostos e dadas as imensuráveis experiências observadas, é possível afirmar que o cotidiano de trabalho da UFPR Litoral, organizado em suas equipes administrativas e acadêmicas, demanda uma cobertura às dimensões da vida universitária de modo significativamente mais amplo e complexo que os demais setores acadêmicos da capital, tanto pelos aspectos operacionais do trabalho relacionados à distância da sede quanto pelos modos próprios e únicos de funcionamento do projeto institucional local.  

Nesse sentido, se esse mesmo projeto institucional demanda movimentos permanentes de planejamentos e decisões coletivas internas para o pleno e harmônico funcionamento de suas dimensões pedagógicas, acadêmicas e administrativas, por outro lado, são nas condicionantes externas que a dedicação e a energia para o trabalho da gestão de um campus fora de sede se tornam um tanto mais desafiadora e complexa. No caso da UFPR Litoral, como projeto originário, atuando não somente na região litorânea, mas estendendo demais ações educacionais ao Vale do Ribeira paranaense.  

Uma das características inerentes ao trabalho de uma direção de campus fora de sede é o exercício de interlocução direta e incessante com demais atores sociais regionais, como prefeitos e prefeitas, secretarias municipais, representações do legislativo municipal, estadual e federal e demais estruturas públicas de justiça, meio ambiente, etc (considere-se aqui ainda as oscilações geradas pelas trocas de mandatos), Além de coletivos e organizações sociais para todas as demandas que requeiram assuntos de interesse do campus. Se, por um lado, a Direção reveste-se como autoridade legítima nos assuntos da UFPR em sua localidade, por sua vez demanda continuamente a articulação e alinhamento com as instâncias da Reitoria.  

São essas características inerentes à gestão da UFPR Litoral, assim como nos demais campi interiorizados da UFPR, que mobilizam os necessários apoios articulados e complementares de aproximação às realidades das sedes regionalizadas junto à Reitoria. Por esse motivo foram criadas estruturas articuladoras, como a Diretoria de Desenvolvimento e Integração dos Campi – INTEGRA (pela qual atuei como Diretor entre 2021 e 2024), com o compromisso de priorizar o atendimento às inúmeras e complexas peculiaridades inerentes à realidade de cada um dos projetos educacionais das cinco unidades fora da capital. 

Considerando os contextos internos e externos vividos, agora destacando o período específico da gestão 2016-2020, cujo mandato foi compartilhado com o colega professor Luis Eduardo Thomassim, alguns pontos chamaram a atenção pela força e importância. Nesse período, as universidades públicas viveram o cotidiano de ataques governamentais, tanto simbólicos quanto orçamentários e de suas formas de financiamento (como exemplo, a proposta refutada do programa “Future-se), o que deflagrou um momento interno a UFPR Litoral inédito de lutas em defesa da Universidade Pública na comunidade universitária.  

Assistimos com preocupação medidas e reformas que afetaram direitos sociais dos trabalhadores, bem como a criação exponencial e alarmante de faculdades e cursos a distância (EaD) privadas em todo o país, resultantes de processos de desregulamentação, à época, dos critérios e normativas para a criação dessas modalidades de ensino. Motivos sucessivos que refletiram a crescente exclusão de públicos e perda de atratividade pelo ensino superior público no país, movendo a necessidade de planos internos de enfrentamento a essa nova realidade, como de fato ocorreu na UFPR Litoral, já a partir de 2016. 

No período, com a mesma importância, houve processos de grande participação, organização e mobilização estudantil, como a ocupação da UFPR Litoral, durante o movimento nacional estudantil contra as reformas do ensino médio, em 2016. Já no ano seguinte, inaugurou-se um processo intenso de discussão e aprendizado coletivo aos enfrentamentos de violências no ambiente universitário, tema mobilizador nos espaços universitários em todo o país e tratado com atenção e prioridade na UFPR Litoral antes mesmo da criação das estruturas formais de acolhimento de denúncias pela Reitoria.  

Na esfera administrativa, as universidades foram objeto progressivo de medidas impositivas, por instâncias federais de governo, para adoção de cumprimento de “metas de eficiência na gestão pública” (que encontrou terreno fértil nos anos seguintes com o avanço das tecnologias digitais). Como apenas um dos exemplos, a exigência pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG) da revisão e adequação de todos os modelos organizacionais das universidades, resultando internamente na revisão emergencial do regimento interno e revisão das estruturas e seu funcionamento, em 2019. Na mesma linha de controle das atividades universitárias, intensificaram-se as ações e auditorias de órgãos de controle externos, como a Controladoria Geral da União (CGU) e o Tribunal de Contas da União (TCU), especialmente sobre as formas de uso dos recursos discricionários. 

O encerramento do mandato, que ocorreu no dia 10 de março de 2020, em cerimônia marcante que deu posse à primeira diretora da UFPR Litoral, professora Elisiani Tiepolo, junto com o vice-diretor Lourival Fidelis, marcou de modo quase concomitante o maior de todos os desafios: os enfrentamentos de uma gestão universitária em meio à crise epidemiológica da COVID-19, que se iniciou dia 16 de março, com a suspensão total das atividades presenciais na UFPR, por um ano e dez meses. Deixo aqui o registro de reconhecimento ao trabalho realizado no mandato de Elisiani e Lourival no período 2020-2024. 

Ao expressar a gratidão pessoal pelas oportunidades e anos intensos vividos de trabalho, dado o caráter desse suscinto relato de experiência, aproveito para mencionar também meu profundo reconhecimento e agradecimento ao trabalho, dedicação e compromisso público de toda comunidade acadêmica que já passou  pela UFPR Litoral, aqui especialmente dedicando a homenagem aos demais colegas servidores docentes que atuaram ou atuam no cargo de direção e vice-direção ao longo de todos esses anos: Valdo Cavalett, Vera Lúcia Israel, Douglas Hammermuller, Vanessa Andreoli e Luis Thomassim. 

Em qualquer dos momentos vividos pela UFPR Litoral nesses primeiros 20 anos de existência de lutas e conquistas, a despeito das dificuldades inerentes à própria universidade pública brasileira, importa ressaltar que cumprimos diariamente nossa função social com excelência e garantimos profunda estabilidade no funcionamento adequado de suas estruturas de cursos, desenvolvimento de projetos, trabalho administrativos, bem como o estreitamento das relações com demais instituições públicas e organizações sociais. Resultado somente possível pela gente que fez e faz a UFPR Litoral ser o que é, há 20 anos!  

Parabéns à nossa UFPR Litoral! 

Renato Bochicchio, docente do curso de Ciências Ambientais, vice-diretor da UFPR Litoral (2012-2016), diretor da UFPR Litoral (2016-2020) 

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